sexta-feira, 13 de maio de 2011

Tema cristológico

Súplica

Coração do meu Jesus,
Que na Cruz,
Pela lança do soldado,
Ser varado
Sofreste para deixar
Um lugar
Que servisse nesta vida
De guarida
Sempre aberta ao pecador –
Por amor
Ou, melhor, por compaixão,
O perdão
A meus crimes concedei –
E fazei
Pela vossa santa graça
Que a desgraça
Eu não tenha outra vez, não,
De ofender,
Por querer,
Vosso terno Coração.

VA


Suspiros

Quem me dera ter a lira
Do profeta de Sião
P’ra cantar com melodia
De Jesus o Coração!

Quem em dera ter a voz
Dum dos Anjos do Senhor
P’ra cantar sua bondade,
Sua ternura e amor!

Quem me dera ter o génio
Dum arcanjo ou querubim
P’ra cantar suas finezas
Em hinos de amor sem fim!

Mas, ai de mim, que não tenho
Nem génio, nem voz, nem lira!
Apenas uma alma tenho
Que por Vós, Jesus, suspira.

Aceitai pois da minha alma,
Ó Jesus, o suspirar,
Já que Vosso Coração
Não posso nem sei cantar.

VA


Ingratidão

Queres saber, ó pecador,
Qual a dor
Que na cruz
Mais sentiu o bom Jesus? –

Abre os livros sacrossantos
De alguns santos
E neles verás então
Que a mais forte,
Inda mais que a mesma morte,
Fora a tua – ingratidão.

VA


Do Pretório ao Calvário

Condenado a morrer como um sicário,
De pés e mãos cravado em uma cruz,
Do Pretório lá vai o Bom Jesus
A via já trilhando do Calvário.

De corda na garganta e cruz ao ombro,
É lento e vagaroso o seu trilhar;
Mas nesse estado, sem geral assombro,
Quem há que possa mais depressa andar?

Ninguém por certo, que da cruz em cima,
Além do peso que de si já tem,
Lá vão atrozes, numa enorme rima,
Do mundo os crimes a pesar também.

E tanto e tanto que no curto espaço
Que do Pretório ao Calvário vai,
Por mais que faça por firmar o passo,
Jesus em terra por três vezes cai.

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……………………………………..
…………………………………….

Ao Calvário entretanto é já chegado
O Filho de Maria, os seus Amores,
Onde, no meio de pungentes dores,
Será em breve numa cruz pregado.

VA

  
Errei

Mais uma vez, Senhor, ajoelhado
Aos pés da vossa Cruz,
Vos peço humildemente do passado
Perdão, ó Bom Jesus.

Qual ovelha do aprisco desgarrada,
Errei, Senhor, errei,
Deixando de seguir a recta estrada
Da vossa santa lei.

Ora subia aos montes escabrosos
Das doidas ambições,
Ora descia aos vales pantanosos
Das lúbricas paixões.

Pensando colher rosas nos caminhos
Que louco percorri,
Abrolhos só, Senhor, e só espinhos
No meu andar colhi.

E todos tão agudos e pungentes
Que nem punhais podiam
Ferir mais fundo os peitos inocentes
De quem matar queriam.

Neste estado, Senhor, em que me vejo
Ferido mortalmente,
Só Vós, Senhor, podeis, como desejo,
Curar-me inteiramente.

Para tal milagre não precisais
Senão querer, Senhor –
E que Vós o quereis bem o mostrais
Em ser meu Salvador.

Fundado, pois, Senhor, nesta verdade,
Espero confiado
Que esquecereis, Senhor, toda a maldade
Do meu viver passado.

E grato, como devo, nem um dia,
Prometo por quem sou,
Deixarei de louvar com alegria
A mão que me salvou.


UV

O amor de Deus

 Amor de Deus

Undique me circumdat amor[1].
São Boaventura

Ou me sente, à noite, à mesa,
Os meus livros folheando;
Ou ande o meu giro dando
De manhã pela devesa –

Ou suba, com sol, ao monte,
Para ver rolar o mar;
Ou desça ao val’, com luar,
Para ouvir gemer a fonte –

Ou a colher violetas
Me quede no meu jardim;
Ou, feito criança, enfim,
Corra atrás das borboletas –

Em toda a parte, Senhor,
Como diz um grande santo,
Me sinto com doce encanto
Cercado do teu amor.

VA


Brados da Natureza

Coelum et terra et omnia quae in eis sunt, ecce undique mihi dicunt ut amem te[2].
S. Agostinho

Que Vos ame, Senhor, em toda a vida –
Diz-me o céu de safiras cravejado –
Que Vos ame, Senhor, e sem medida –
Diz-me a terra também em alto brado.

Em coro com a concha, arremessada
À praia pelo mar sempre inconstante,
Do monte a crista pelo sol doirada
O mesmo brado solta altissonante.

Casado com a fonte cristalina,
Que rega noite e dia o verde prado,
O mesmo brado solta na campina
O bem e mal-me-quer tão consultado.

O mesmo brado solta em seu gorjeio
O meigo rouxinol – lá na devesa –
O mesmo brado solta de seu seio
Por toda a parte toda a natureza.

Amar-Vos, pois, Senhor, cordialmente,
Como pede a natureza e Vós mandais,
Doravante será unicamente
O meu empenho todo e nada mais.

Sem Vós, porém, Senhor, por mais que faça,
Amar-Vos como devo, é-me impossível.
Dai-me, porém, Senhor, a vossa graça
E o impossível se fará possível.

VA


Existência de Deus

Coeli enarrant gloriam Dei et opera manuum eius annuntiat firmamentum[3].
Saltério de David

Ao ver o céu, a terra, o mar, o monte,
Num Ser Omnipotente,
Que foi e fora sempre antes de tudo,
Que forma deste mundo o conteúdo,
Eu creio firmemente.

Com Ele pode o homem, quando queira,
De tudo dar razão,
Desde o ente mais vil, em seu conceito,
Até ao ser mais nobre e mais perfeito
De toda a criação.

Com Ele, o ser do sol, o ser da lua,
Da luz e mais do ar;
Com Ele, os vendavais, as maresias,
Os frios, os calores, noites e dias,
Bem pode perscrutar.

Unido ao corpo seu estreitamente,
Um outro ser também
Com Ele, pode o homem descobrir,
Capaz de bem amar e bem servir
Na terra o Sumo Bem.

Ao contrário, porém, sem Ele, o Mestre
De todo o magistério,
O mundo para mim, p’rà minha mente,
Foi, é e será eternamente
Insondável mistério.

Para se crer, sem Ele, em tantos seres,
Fora mister primeiro
Ao estulto ateísta demonstrar
Que é dever da razão acreditar
Em obras sem obreiro[4].

Mas é impossível; e portanto
Num Ser Omnipotente,
Que foi e fora sempre antes de tudo,
Que forma deste mundo o conteúdo,
Eu creio firmemente.

VA


[1] O amor (de Deus) envolve-me de todos os lados.
[2] O céu, a terra e tudo o que neles há, eis que em meu redor me dizem que Vos ame.
[3] Os Céus cantam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras das suas mãos.
[4] O autor está apensar no princípio de causalidade: para haver efeito, “obra”, é preciso uma causa proporcionada, um “obreiro”; aqui, Deus. Este poema não terá sido escrito em data muito distante do poema homónimo do Visconde de Azevedo.

Outros temas

D. Manuel Baptista da Cunha

              Arcebispo de Braga[1]


Da lista dos prelados bracarenses
Que Deus nos outorgou,
Mais um nome entre tantos tão querido
Por seu zelo de pai estremecido
A morte eliminou.

Acto de força grande, dura e forte
Foi esse com certeza
Que riscando esse nome tão benquisto
Num momento cobriu a grei de Cristo
De luto e de tristeza.

Não se pense, porém, que, contra a morte,
Eu venha invectivar –
Nem tão pouco que vá contra a vontade
Dois suspiros de dor e de saudade
Dos peitos arrancar.

É que morrer assim e neste tempo,
Sem nunca estremecer,
No meio das agruras do exílio,
Sem conforto, sem dó e sem auxílio,
Morrer não é morrer.

É ficar cá no mundo, dando sempre
Às novas gerações
De fé religiosa e de civismo
De valor, de constância e de heroísmo
As mais altas lições.

É dizer sem falar ao sacerdote,
Ministro do Senhor –
Que seja o sal da terra, a luz do mundo,
O germe criador, o grão fecundo
Da paz e do amor.

É bradar finalmente que mais vale,
Embora muito seja,
Padecer no deserto, desterrado,
Que gozar na cidade, renegado,
Sem Fé e sem Igreja.

Bendita sejas pois, ó morte augusta,
Tão dina de alto canto,
Que, cumprindo de Deus tal mandato,
Deixaste cá na terra, intemerato,
O nome deste santo.

UV


Anjo da Guarda

Angelo tuo reverentiam habe[2].
São Bernardo

O anjo da minha guarda,
O anjo que Deus me deu,
É dos anjos que mais lidam
Em levar almas ao Céu.

A meu lado, noite e dia,
Sem nunca, nunca cessar,
Trabalha o bom do meu anjo
P’ra que eu vá o Céu gozar.

Como quem sabe de certo
Que o Céu só pode fruir
Quem a senda da virtude
Com passo firme seguir –

Não deixa o bom do meu anjo
Um momento, um só sequer,
De me mostrar com carinho
A senda do meu dever.

Se à porta de alma me bate
O demo por tentação,
Logo me toca no ombro
O anjo com sua mão –

Dizendo – Filho, cautela!
Não seja caso que vás
Prestar incautos ouvidos
Às falas de Satanás.

Não queiras, filho, não queiras,
Que é ser injusto e cruel
Trocar a Deus, um amigo,
Por um traidor, por Lusbel.

Pela infernal Babilónia,
Não queiras, filho, também
Trocar a linda cidade
Da santa Jerusalém.

Se tão louco que, a despeito
Dos santos conselhos seus,
Os mandamentos quebranto
Da santa lei do meu Deus -

Nem por isso deixa o anjo,
O meu bom anjo, inda assim,
Noite e dia, a toda a hora,
De velar sempre por mim.

Outro fosse ele que vendo
Seus conselhos desprezados
Me deixasse entregue à sorte
Dos pobres desamparados.

É porém tal o seu zelo
Que longe de tal fazer
De novo me torna o anjo
Por esta forma a dizer:

- Caíste, filho? Vergaste
Ao peso da tentação?
Crime foi, mas esse crime,
Querendo tu, tem perdão.

Confessa, filho, confessa
Teu crime com viva dor
E logo terás de novo
A graça do teu Senhor.

Isto diz e logo dando
Sua mão à minha mão
Me põe outra vez o anjo
Na senda da salvação.

Bendito pois e louvado
Seja na terra e no Céu
O anjo da minha guarda,
O anjo que Deus me deu.

VA


Beira-mar

Que bonito que não é
Estar à beira do mar –
Quer seja na preamar,
Quer no descer da maré!

Ver as ondas ora mansas
A beijar o areal –
Ora bravas, do coral
A quebrar as lindas tranças.

Ver as lanchas, à saída
Da praia para pescar –
Ou vê-las depois entrar
Ao cabo de insana lida.

Ver as belas a traçar
No mar as suas derrotas
Como um bando de gaivotas
No cruzamento do ar.

Ver na praia as raparigas
A lavar as suas redes –
Ou vê-las, qual ora as vedes,
A dançar com as amigas.

Ver os rapazes saltar
De cima dos seus catraios
A fazer como uns ensaios
Pràs grandes lutas do mar.

Ver o vapor estrangeiro
A correr como um leão –
Ou ver a pairar então
O lindo bote poveiro.

Ver o sol pelo estio
Nas salsas águas banhar-se –
Ou nelas a remirar-se
A lua cheia de brio.

Que bonito pois não é
Estar à beira do mar –
Quer seja na preamar,
Quer no descer da maré!

UV


Liberdade

Em nome da – Liberdade –
Filha da eterna – Verdade –
Que crimes por aí não vão!
Mais feros, mais desumanos,
Nem no tempo dos romanos
Eram os crimes então.

Houve um Nero, um desalmado,
Que reduziu, no passado,
A cinzas uma cidade;
Mas ninguém de então nos conta
Que em crime de tanta monta
Invocasse a – Liberdade.

Hoje rouba-se, hoje mata-se –
Hoje insulta-se e maltrata-se –
Noite e dia a toda a hora –
E sempre, sempre invocando
A sério, que não zombando,
O nome dessa Senhora.

E não é só nas aldeias
Mais desertas e mais feias
Que se dão dessas acções;
Mas também, e muitas mais,
Nessas ruas principais
Das grandes povoações.

Por exemplo, eu bem podia,
Passados inda outro dia,
Casos mil apresentar;
Mas prefiro, de vergonha,
Desta verdade medonha
Não tornar mais a falar.

 VA



[1] D.Manuel Baptista da Cunha morreu em Vila do Conde, exilado pela República.
[2] Respeita o teu anjo.

À morte do digníssimo e muito respeitável Abade de Beiriz

O poeta de Aver-o-Mar Bernardino da Ponte evocou a figura do P.e António Martins de Faria neste elogioso poema:

Passou na terra sorrindo
Qual meteoro que passeia
Num céu diáfano, lindo...
Preocupava-o a ideia
- «Celestes graças aurindo» -
De santamente ir servindo,
Num gesto de amor infindo,
O Mártir da Galileia.

Não fraquejou um momento
Na sua missão sagrada...
Nos seios do firmamento,
Nos sorrisos d'alvorada,
Ungiu-se, cobrou alento
E, no louvável intento
Dum alado pensamento,
Abalou para a jornada.

Lutou, altivo, sereno,
Sem desviar da estacada,
Nem recear o veneno
Da gente mal-humorada...
Dum coração sem empeno,
De trato afável, ameno,
Honrou sempre o Nazareno,
Foi uma alma ilustrada.