sexta-feira, 13 de maio de 2011

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D. Manuel Baptista da Cunha

              Arcebispo de Braga[1]


Da lista dos prelados bracarenses
Que Deus nos outorgou,
Mais um nome entre tantos tão querido
Por seu zelo de pai estremecido
A morte eliminou.

Acto de força grande, dura e forte
Foi esse com certeza
Que riscando esse nome tão benquisto
Num momento cobriu a grei de Cristo
De luto e de tristeza.

Não se pense, porém, que, contra a morte,
Eu venha invectivar –
Nem tão pouco que vá contra a vontade
Dois suspiros de dor e de saudade
Dos peitos arrancar.

É que morrer assim e neste tempo,
Sem nunca estremecer,
No meio das agruras do exílio,
Sem conforto, sem dó e sem auxílio,
Morrer não é morrer.

É ficar cá no mundo, dando sempre
Às novas gerações
De fé religiosa e de civismo
De valor, de constância e de heroísmo
As mais altas lições.

É dizer sem falar ao sacerdote,
Ministro do Senhor –
Que seja o sal da terra, a luz do mundo,
O germe criador, o grão fecundo
Da paz e do amor.

É bradar finalmente que mais vale,
Embora muito seja,
Padecer no deserto, desterrado,
Que gozar na cidade, renegado,
Sem Fé e sem Igreja.

Bendita sejas pois, ó morte augusta,
Tão dina de alto canto,
Que, cumprindo de Deus tal mandato,
Deixaste cá na terra, intemerato,
O nome deste santo.

UV


Anjo da Guarda

Angelo tuo reverentiam habe[2].
São Bernardo

O anjo da minha guarda,
O anjo que Deus me deu,
É dos anjos que mais lidam
Em levar almas ao Céu.

A meu lado, noite e dia,
Sem nunca, nunca cessar,
Trabalha o bom do meu anjo
P’ra que eu vá o Céu gozar.

Como quem sabe de certo
Que o Céu só pode fruir
Quem a senda da virtude
Com passo firme seguir –

Não deixa o bom do meu anjo
Um momento, um só sequer,
De me mostrar com carinho
A senda do meu dever.

Se à porta de alma me bate
O demo por tentação,
Logo me toca no ombro
O anjo com sua mão –

Dizendo – Filho, cautela!
Não seja caso que vás
Prestar incautos ouvidos
Às falas de Satanás.

Não queiras, filho, não queiras,
Que é ser injusto e cruel
Trocar a Deus, um amigo,
Por um traidor, por Lusbel.

Pela infernal Babilónia,
Não queiras, filho, também
Trocar a linda cidade
Da santa Jerusalém.

Se tão louco que, a despeito
Dos santos conselhos seus,
Os mandamentos quebranto
Da santa lei do meu Deus -

Nem por isso deixa o anjo,
O meu bom anjo, inda assim,
Noite e dia, a toda a hora,
De velar sempre por mim.

Outro fosse ele que vendo
Seus conselhos desprezados
Me deixasse entregue à sorte
Dos pobres desamparados.

É porém tal o seu zelo
Que longe de tal fazer
De novo me torna o anjo
Por esta forma a dizer:

- Caíste, filho? Vergaste
Ao peso da tentação?
Crime foi, mas esse crime,
Querendo tu, tem perdão.

Confessa, filho, confessa
Teu crime com viva dor
E logo terás de novo
A graça do teu Senhor.

Isto diz e logo dando
Sua mão à minha mão
Me põe outra vez o anjo
Na senda da salvação.

Bendito pois e louvado
Seja na terra e no Céu
O anjo da minha guarda,
O anjo que Deus me deu.

VA


Beira-mar

Que bonito que não é
Estar à beira do mar –
Quer seja na preamar,
Quer no descer da maré!

Ver as ondas ora mansas
A beijar o areal –
Ora bravas, do coral
A quebrar as lindas tranças.

Ver as lanchas, à saída
Da praia para pescar –
Ou vê-las depois entrar
Ao cabo de insana lida.

Ver as belas a traçar
No mar as suas derrotas
Como um bando de gaivotas
No cruzamento do ar.

Ver na praia as raparigas
A lavar as suas redes –
Ou vê-las, qual ora as vedes,
A dançar com as amigas.

Ver os rapazes saltar
De cima dos seus catraios
A fazer como uns ensaios
Pràs grandes lutas do mar.

Ver o vapor estrangeiro
A correr como um leão –
Ou ver a pairar então
O lindo bote poveiro.

Ver o sol pelo estio
Nas salsas águas banhar-se –
Ou nelas a remirar-se
A lua cheia de brio.

Que bonito pois não é
Estar à beira do mar –
Quer seja na preamar,
Quer no descer da maré!

UV


Liberdade

Em nome da – Liberdade –
Filha da eterna – Verdade –
Que crimes por aí não vão!
Mais feros, mais desumanos,
Nem no tempo dos romanos
Eram os crimes então.

Houve um Nero, um desalmado,
Que reduziu, no passado,
A cinzas uma cidade;
Mas ninguém de então nos conta
Que em crime de tanta monta
Invocasse a – Liberdade.

Hoje rouba-se, hoje mata-se –
Hoje insulta-se e maltrata-se –
Noite e dia a toda a hora –
E sempre, sempre invocando
A sério, que não zombando,
O nome dessa Senhora.

E não é só nas aldeias
Mais desertas e mais feias
Que se dão dessas acções;
Mas também, e muitas mais,
Nessas ruas principais
Das grandes povoações.

Por exemplo, eu bem podia,
Passados inda outro dia,
Casos mil apresentar;
Mas prefiro, de vergonha,
Desta verdade medonha
Não tornar mais a falar.

 VA



[1] D.Manuel Baptista da Cunha morreu em Vila do Conde, exilado pela República.
[2] Respeita o teu anjo.

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