D.
Manuel Baptista da Cunha
Da
lista dos prelados bracarenses
Que Deus nos outorgou,
Mais
um nome entre tantos tão querido
Por
seu zelo de pai estremecido
A morte eliminou.
Acto
de força grande, dura e forte
Foi esse com certeza
Que
riscando esse nome tão benquisto
Num
momento cobriu a grei de Cristo
De luto e de tristeza.
Não se pense, porém, que, contra
a morte,
Eu venha invectivar –
Nem
tão pouco que vá contra a vontade
Dois
suspiros de dor e de saudade
Dos peitos arrancar.
É
que morrer assim e neste tempo,
Sem nunca estremecer,
No
meio das agruras do exílio,
Sem
conforto, sem dó e sem auxílio,
Morrer não é morrer.
É
ficar cá no mundo, dando sempre
Às novas gerações
De
fé religiosa e de civismo
De
valor, de constância e de heroísmo
As mais altas lições.
É
dizer sem falar ao sacerdote,
Ministro do Senhor –
Que
seja o sal da terra, a luz do mundo,
O
germe criador, o grão fecundo
Da paz e do amor.
É
bradar finalmente que mais vale,
Embora muito seja,
Padecer
no deserto, desterrado,
Que
gozar na cidade, renegado,
Sem Fé e sem Igreja.
Bendita
sejas pois, ó morte augusta,
Tão dina de alto canto,
Que,
cumprindo de Deus tal mandato,
Deixaste
cá na terra, intemerato,
O nome deste santo.
UV
Anjo
da Guarda
Angelo
tuo reverentiam habe[2].
São Bernardo
O
anjo da minha guarda,
O
anjo que Deus me deu,
É
dos anjos que mais lidam
Em
levar almas ao Céu.
A
meu lado, noite e dia,
Sem
nunca, nunca cessar,
Trabalha
o bom do meu anjo
P’ra
que eu vá o Céu gozar.
Como
quem sabe de certo
Que
o Céu só pode fruir
Quem
a senda da virtude
Com
passo firme seguir –
Não
deixa o bom do meu anjo
Um
momento, um só sequer,
De
me mostrar com carinho
A
senda do meu dever.
Se
à porta de alma me bate
O
demo por tentação,
Logo
me toca no ombro
O
anjo com sua mão –
Dizendo
– Filho, cautela!
Não
seja caso que vás
Prestar
incautos ouvidos
Às
falas de Satanás.
Não
queiras, filho, não queiras,
Que
é ser injusto e cruel
Trocar
a Deus, um amigo,
Por
um traidor, por Lusbel.
Pela
infernal Babilónia,
Não
queiras, filho, também
Trocar
a linda cidade
Da
santa Jerusalém.
Se
tão louco que, a despeito
Dos
santos conselhos seus,
Os
mandamentos quebranto
Da
santa lei do meu Deus -
Nem
por isso deixa o anjo,
O
meu bom anjo, inda assim,
Noite
e dia, a toda a hora,
De
velar sempre por mim.
Outro
fosse ele que vendo
Seus
conselhos desprezados
Me
deixasse entregue à sorte
Dos
pobres desamparados.
É
porém tal o seu zelo
Que
longe de tal fazer
De
novo me torna o anjo
Por
esta forma a dizer:
-
Caíste, filho? Vergaste
Ao
peso da tentação?
Crime
foi, mas esse crime,
Querendo
tu, tem perdão.
Confessa,
filho, confessa
Teu
crime com viva dor
E
logo terás de novo
A
graça do teu Senhor.
Isto
diz e logo dando
Sua
mão à minha mão
Me
põe outra vez o anjo
Na
senda da salvação.
Bendito
pois e louvado
Seja
na terra e no Céu
O
anjo da minha guarda,
O
anjo que Deus me deu.
VA
Beira-mar
Que
bonito que não é
Estar
à beira do mar –
Quer
seja na preamar,
Quer
no descer da maré!
Ver
as ondas ora mansas
A
beijar o areal –
Ora
bravas, do coral
A
quebrar as lindas tranças.
Ver
as lanchas, à saída
Da
praia para pescar –
Ou
vê-las depois entrar
Ao
cabo de insana lida.
Ver
as belas a traçar
No
mar as suas derrotas
Como
um bando de gaivotas
No
cruzamento do ar.
Ver
na praia as raparigas
A
lavar as suas redes –
Ou
vê-las, qual ora as vedes,
A
dançar com as amigas.
Ver
os rapazes saltar
De
cima dos seus catraios
A
fazer como uns ensaios
Pràs
grandes lutas do mar.
Ver
o vapor estrangeiro
A
correr como um leão –
Ou
ver a pairar então
O
lindo bote poveiro.
Ver
o sol pelo estio
Nas
salsas águas banhar-se –
Ou
nelas a remirar-se
A
lua cheia de brio.
Que
bonito pois não é
Estar
à beira do mar –
Quer
seja na preamar,
Quer
no descer da maré!
UV
Liberdade
Em
nome da – Liberdade –
Filha
da eterna – Verdade –
Que
crimes por aí não vão!
Mais
feros, mais desumanos,
Nem
no tempo dos romanos
Eram
os crimes então.
Houve
um Nero, um desalmado,
Que
reduziu, no passado,
A
cinzas uma cidade;
Mas
ninguém de então nos conta
Que
em crime de tanta monta
Invocasse
a – Liberdade.
Hoje
rouba-se, hoje mata-se –
Hoje
insulta-se e maltrata-se –
Noite
e dia a toda a hora –
E
sempre, sempre invocando
A
sério, que não zombando,
O
nome dessa Senhora.
E
não é só nas aldeias
Mais
desertas e mais feias
Que
se dão dessas acções;
Mas
também, e muitas mais,
Nessas
ruas principais
Das
grandes povoações.
Por
exemplo, eu bem podia,
Passados
inda outro dia,
Casos
mil apresentar;
Mas
prefiro, de vergonha,
Desta
verdade medonha
Não
tornar mais a falar.
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