Undique
me circumdat amor[1].
São Boaventura
Ou
me sente, à noite, à mesa,
Os
meus livros folheando;
Ou
ande o meu giro dando
De
manhã pela devesa –
Ou
suba, com sol, ao monte,
Para
ver rolar o mar;
Ou
desça ao val’, com luar,
Para
ouvir gemer a fonte –
Ou
a colher violetas
Me
quede no meu jardim;
Ou,
feito criança, enfim,
Corra
atrás das borboletas –
Em
toda a parte, Senhor,
Como
diz um grande santo,
Me
sinto com doce encanto
Cercado
do teu amor.
VA
Brados
da Natureza
Coelum
et terra et omnia quae in eis sunt, ecce undique mihi dicunt ut amem te[2].
S. Agostinho
Que
Vos ame, Senhor, em toda a vida –
Diz-me
o céu de safiras cravejado –
Que
Vos ame, Senhor, e sem medida –
Diz-me
a terra também em alto brado.
Em
coro com a concha, arremessada
À
praia pelo mar sempre inconstante,
Do
monte a crista pelo sol doirada
O
mesmo brado solta altissonante.
Casado
com a fonte cristalina,
Que
rega noite e dia o verde prado,
O
mesmo brado solta na campina
O
bem e mal-me-quer tão consultado.
O
mesmo brado solta em seu gorjeio
O
meigo rouxinol – lá na devesa –
O
mesmo brado solta de seu seio
Por
toda a parte toda a natureza.
Amar-Vos,
pois, Senhor, cordialmente,
Como
pede a natureza e Vós mandais,
Doravante
será unicamente
O
meu empenho todo e nada mais.
Sem Vós, porém, Senhor, por mais que
faça,
Amar-Vos
como devo, é-me impossível.
Dai-me,
porém, Senhor, a vossa graça
E
o impossível se fará possível.
VA
Existência
de Deus
Coeli
enarrant gloriam Dei et opera manuum eius annuntiat firmamentum[3].
Saltério de David
Ao
ver o céu, a terra, o mar, o monte,
Num Ser Omnipotente,
Que
foi e fora sempre antes de tudo,
Que
forma deste mundo o conteúdo,
Eu creio firmemente.
Com
Ele pode o homem, quando queira,
De tudo dar razão,
Desde
o ente mais vil, em seu conceito,
Até
ao ser mais nobre e mais perfeito
De toda a criação.
Com
Ele, o ser do sol, o ser da lua,
Da luz e mais do ar;
Com
Ele, os vendavais, as maresias,
Os
frios, os calores, noites e dias,
Bem pode perscrutar.
Unido
ao corpo seu estreitamente,
Um outro ser também
Com
Ele, pode o homem descobrir,
Capaz
de bem amar e bem servir
Na terra o Sumo Bem.
Ao
contrário, porém, sem Ele, o Mestre
De todo o magistério,
O
mundo para mim, p’rà minha mente,
Foi,
é e será eternamente
Insondável mistério.
Para
se crer, sem Ele, em tantos seres,
Fora mister primeiro
Ao
estulto ateísta demonstrar
Que
é dever da razão acreditar
Em obras sem obreiro[4].
Mas
é impossível; e portanto
Num Ser Omnipotente,
Que
foi e fora sempre antes de tudo,
Que
forma deste mundo o conteúdo,
Eu creio firmemente.
VA
[1] O
amor (de Deus) envolve-me de todos os
lados.
[2] O
céu, a terra e tudo o que neles há, eis que em meu redor me dizem que Vos ame.
[3] Os
Céus cantam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras das suas mãos.
[4]
O autor está apensar no princípio de causalidade: para haver efeito, “obra”, é
preciso uma causa proporcionada, um “obreiro”; aqui, Deus. Este poema não terá
sido escrito em data muito distante do poema homónimo do Visconde de Azevedo.
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